Não é à toa que a ex-senadora Marina Silva aparece nas pesquisas de opinião como uma possível adversária direta da presidente Dilma na eleição de 2014, podendo chegar ao segundo turno e até vencer. Ao se recusar a prosseguir no jogo partidário que estava montado em 2010, mesmo após ter recebido quase 20 milhões de votos na eleição presidencial, ela estava antevendo este movimento autônomo das ruas que rejeita as formas tradicionais de fazer política que dominam até mesmo o Partido Verde, que ela tentou levar para o caminho original e não conseguiu.
Também não foi um acaso ela chamar seu novo partido de Rede, foi por estar conectada com essa nova onda de movimentos sociais em rede, que o sociólogo Manuel Castells, talvez o maior estudioso desse fenômeno, chama de autocomunicação de massas, "plataforma tecnológica da cultura da autonomia". Em seu novo livro, "Redes de indignação e esperança", lançado no Brasil pela Zahar, Castells diz que, a partir dessa autonomia, as críticas e os sonhos do movimento se estendem à maior parte da sociedade.
Marina não pretende que seu partido domine os movimentos sociais, nem ser a representante desses movimentos no poder. Ela quer tentar mudar a maneira de fazer política em busca de um projeto de país, e não de poder, e para tanto espera refletir na realidade política brasileira os anseios desses movimentos sociais que estão nas ruas.
Ela não acredita que somente com a fisiologia se consiga montar uma base partidária de apoio ao governo e, confrontada com a realidade política do país, fala em uma "imprevisibilidade positiva", a esperar que o novo Congresso a ser eleito em 2014 também reflita os anseios desta nova sociedade que surgiu e mostrou-se nas ruas nos últimos dias.
Sem querer se dar ares de pitonisa, ela diz que já havia aventado a hipótese de que esses movimentos ocorreriam no Brasil, a exemplo do que ocorre no mundo, e está feliz que tenha começado a montar sua Rede bem antes de esses movimentos se materializarem, "porque poderia parecer oportunismo". Mas está se defrontando com a burocracia, com realidades políticas que talvez a impeçam de concretizar seu partido. Ela esclarece que o movimento de apresentar o pedido de inscrição da Rede ao TSE mesmo sem o número mínimo de assinaturas validadas pela Justiça Eleitoral é só um modo de chamar a atenção para as dificuldades burocráticas que vem encontrando, não um pedido de privilégios.
Os organizadores da Rede dizem que vários cartórios estão levando mais de 15 dias, prazo estipulado pela lei, para analisar as assinaturas. E milhares delas são rejeitadas sem explicações oficiais. Há também uma dificuldade para comparar assinaturas com as folhas de votação na última eleição, pois muitos jovens e idosos apoiam o novo partido, mas não votaram. Os cartórios simplesmente estão invalidando essas assinaturas. O Rede quer que essas assinaturas impugnadas sejam divulgadas e, se não houver contestação do eleitor envolvido, sejam aprovadas, como determina a lei.
Marina se recusa a discutir um plano B, pois entende que, como seu novo partido não existe apenas no papel, e não foi criado para ganhar espaço no Ministério do governo atual, mas é fruto da mobilização de cidadãos, o TSE dará a aprovação para o funcionamento.
Castells, na parte do livro sobre as manifestações de junho no Brasil, diz que "Marina é a exceção entre os políticos", está conectada aos novos anseios da população. Para ele, "os movimentos sociais em rede vão continuar a lutar, debater, evoluir e, por fim, a se dissolver em suas atuais condições de existência, como aconteceu com todos os movimentos sociais na História".
Mesmo no caso improvável de se transformarem num ator político, num partido ou em alguma forma nova de agência, deixarão, por isso mesmo, de existir, analisa Castells, para quem "é muito cedo para avaliarmos o resultado final desses movimentos, embora já possamos dizer que regimes mudaram, instituições foram desafiadas, e a crença no capitalismo financeiro global triunfante foi abalada, possivelmente de maneira irreversível, na mente da maioria das pessoas".
Nesse mundo novo que as gerações mais jovens veem como seu, "o que é irreversível no Brasil e no mundo é o empoderamento dos cidadãos, sua autonomia comunicativa e a consciência dos jovens de que tudo o que sabemos do futuro é que eles o farão. Mobilizados". É essa nova forma de atuar na política que Marina persegue.